domingo, 9 de dezembro de 2012

Arqueologia: ciência que estuda as sociedades a partir de vestígios produzidos por elas.


Local onde o porto estaria. (Foto: CNRS/ Divulgação)Arqueólogos franceses e italianos descobriram os restos de um porto de grãos que desempenhou um papel crítico na ascensão da Roma antiga, informou nesta quinta-feira o Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS).
Perfurações realizadas em um local na embocadura do rio Tiber revelaram a localização de um porto, cuja existência foi buscada por séculos, destacou a instituição em um comunicado de imprensa.
O porto fica a noroeste de Ostia, que foi estabelecido por Roma como uma passagem fortificada para capacitar o comércio a passar rio acima em direção à cidade, evitando piratas e saqueadores.
A evidência indica para um porto estabelecido entre os séculos IV e II a.C. e tinha uma profundidade de seis metros, tornando-o acessível para embarcações a caminho do mar, destacou o CNRS.
Roma emergiu como a primeira potência do Mediterrâneo graças em parte ao comércio. O império importava grandes quantidades de trigo, especialmente do Egito.
No século I d.C., o porto de grãos em Ostia foi substituído por uma instalação gigantesca de 200 hectares em Portus.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Historiadores se dividem sobre lei que regula a profissão


Senado aprovou projeto que obriga diploma em história para atuar na área. Texto, que inclui áreas como magistério, pesquisa e organização de documentos, deve ser votado na Câmara
Aprovado no Senado na semana passada, um projeto de lei que regulamenta a profissão de historiador levanta dúvidas sobre seu alcance e divide os principais interessados na medida.
De acordo com o texto, que ainda precisa ser votado na Câmara dos Deputados, apenas quem tem diploma de graduação, mestrado ou doutorado pode exercer a profissão, em atividades como o magistério, a pesquisa e a organização de documentos e informações históricas.
A maior parte dos historiadores ouvidos pela Folha classifica o projeto de corporativista. Outros, mesmo quando se declaram contrários ao "monopólio do saber", defendem a obrigatoriedade da formação ao menos para os professores de história.
"Isso é um corporativismo inadmissível. Reserva de mercado é algo absurdo. Posso listar grandes historiadores brasileiros que não são formados em história", diz o cientista político e historiador José Murilo de Carvalho, ele mesmo sem graduação na área, mas com pós-doutorado em história.
"Se for para lecionar, faz sentido, porque precisa ter formação na área", diz Carlos Guilherme Mota, professor emérito da USP, que defende a obrigatoriedade do diploma para professores do ensino fundamental e médio.
"Para dar aula em universidade eu deixaria em aberto, porque há antropólogos e sociólogos com formação histórica sólida", completa.
O autor do projeto, senador Paulo Paim (PT-RS), afirma que mesmo em faculdades as aulas de história devem ser ministradas por um diplomado. "Naturalmente, não vou querer que arquiteto forme médico, por exemplo. Por que ia ser diferente no caso de historiador?"
Para Paim, o projeto não impede que especialistas de outras áreas, como advogados, jornalistas e médicos, deem palestras e escrevam livros sobre história.
Uma das principais críticas é justamente a possibilidade da medida tornar a produção desse tipo de conteúdo exclusividade dos historiadores.
"Seria uma limitação à liberdade de expressão", diz Evaldo Cabral de Mello, historiador que não é formado na área, mas tem título de notório saber concedido pela USP. Para Boris Fausto, livre-docente em história do Brasil pela mesma universidade, "há especialistas em áreas técnicas, como arquivo e documentação, com maior capacidade do que o historiador para essas funções".
Fonte: Folha Online 

terça-feira, 16 de outubro de 2012

.Eric Hobsbawm: vida e obra de um historiador singular

Conheça mais sobre a trabalho e a trajetória de um dos mais importantes historiadores britânicos do século XX.

Um giro pelo noticiário nacional e internacional neste dois de outubro de 2012 evidencia o enorme reconhecimento que Eric Hobsbawm conquistou ao longo de quase oito décadas dedicadas ao estudo da história. A morte do historiador britânico, ocorrida ontem, na Inglaterra, aos 95 anos, foi capa dos principais jornais do mundo. Hobsbawm, que estava internado no Royal Free Hospital, em Londres, morreu em decorrência de uma pneumonia, deixando esposa, três filhos, sete netos, um bisneto e milhões de admiradores pelo mundo, muitos dos quais brasileiros. Em sua homenagem, o Café História preparou o presente texto, no qual lembramos sua trajetória, suas várias identidades e a recepção de sua obra, citada em um número incalculável de trabalhos que abordam a história mundial do século XIX e XX.


Hobsbawm: o historiador

Eric Hobsbawm esteve certamente entre os historiadores britânicos mais importantes e influentes do século XX. Como docente, foi um profissional dedicado e fiel. Atuou praticamente toda a vida na mesma instituição de ensino, o Birkbeck College, em Londres, onde foi admitido em 1947. Em termos historiográficos, esteve ao lado de nomes como E.P. Thompson, Raymond Williams e Christopher Hill, uma bem sucedida geração de historiadores de esquerda que rompeu com uma leitura ortodoxa do marxismo, excessivamente economista, determinista e desprovida de conexão com a prática política. Hobsbawm não fez parte diretamente, mas também acompanhou a reestruturação dos historiadores de esquerda em torno da revista “New Left”, na década de 1950, importantíssima no contexto político e intelectual do pós-guerra. Em seus textos, mostrou sempre uma incrível erudição. O historiador Christopher Hill disse certa vez, brincando, que nada se podia ensinar ao colega Eric Hobsbawm. “Ele já sabia de tudo”.

No Brasil, “A Era dos Extremos – O Breve Século XX: 1914 -1991” foi notadamente o seu livro mais conhecido. Editado pela Companhia das Letras, o título vendeu incríveis 227 mil exemplares, tornando-se um verdadeiro best-seller na área. Mas as suas principais contribuições à historiografia estão mesmo em obras anteriores, tais como “A Invenção das Tradições” e “Nações e Nacionalismos desde 1870”, nas quais analisa a complexa estruturação dos Estados nacionalistas do século XIX, e “História Social do Jazz” e “Mundos do Trabalho: Novos Estudos Sobre a História Operária”, onde o autor explora a trajetória do mundo do trabalho a partir não só da ótica econômica, mas também do social. É dele também a série composta pelos livros "A Era das Revoluções", "A Era do Capital" e "A Era dos Impérios", que fazem companhia ao já mencionado "A Era dos Extremos". Seu último livro, "Como mudar o mundo", uma coleção de ensaios, foi publicado em 2011 no país pela Companhia das Letras.

Uma característica presente em quase todas as obras de Hobsbawm é a acessibilidade da narrativa. Além de bom pesquisador, o historiador tinha uma boa escrita, sabendo alcançar o grande público sem abrir mão da profundidade de suas análises históricas. Afonso Carlos Marques dos Santos, antigo professor de Teoria de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, falecido em 2004, fez certa vez uma síntese bastante original da história feita por Hobsbawm, destacando uma outra característica do historiador inglês - a coragem para desafiar paradigmas do marxismo:

- “É evidente que Hobsbawm orientou a sua construção historiográfica a partir de uma ambição totalizante, muito cara ao marxismo, mas soube fazê-lo com sensibilidade, ampla cultura geral e abertura para novas formulações oriundas de outras tendências historiográficas. Abertura que deve ter desagradado àqueles que, do lado de cá do Atlântico Sul, vivem incomodados com o que chamam “modismos pós-modernos” ou “desvios irracionalistas” das temáticas clássicas da ortodoxia marxista. Na introdução de A Era dos Impérios Hobsbawm usou como epígrafe uma passagem de Pierre Nora em Les Lieux de Mémoire, onde a história aparece como “a sempre incompleta e problemática construção do que já não existe”. Nesta citação, Nora, ao demarcar as distinções entre memória e história também afirma: “A memória sempre pertence a nossa época e está intimamente ligada ao presente eterno; a história é uma representação do passado”. Hobsbawm , ao problematizar o período 1875-1914, começa pela própria história da sua família valendo-se da memória para motivar a penetração num tempo que se fecha na altura do seu próprio nascimento. Recorre, portanto, a uma dimensão biográfica e individualizada da existência humana para falar de um tempo socialmente repartido. E é curioso que tenha lançado mão de Pierre Nora, uma personalidade central no campo da editoração de obras históricas na França. A heterodoxia de Hobsbawm certamente não deve ter agradado àqueles que, mesmo sem muita familiaridade com a produção historiográfica internacional, apontam de forma condenatória para o que seria a “nossa francofilia” no campo dos estudos históricos”. (leia essa análise, na íntegra, clicando aqui).

Hobsbawm: o intelectual

Além de historiador, Hobsbawm tinha ainda uma faceta bastante rara atualmente entre profissionais da área: era um intelectual público ativo. Na Inglaterra e no exterior, Hobsbawm sempre foi figura fácil em artigos, ensaios e entrevistas, falando de algum acontecimento do momento. Nos atentados de 11 de setembro, por exemplo, foi um duro critico das explicações de “choque de culturas”. Para Hobsbawm, o terrorismo deveria ser entendido a partir de uma relação de dominação e exclusão promovida pelo Ocidente ao longo dois últimos dois séculos. Foi ainda neste âmbito conselheiro de figuras importantes da política mundial, com Luís Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, e participou com frequência de eventos públicos em todo o mundo. Esteve pela última vez no Brasil em 2003, quando foi uma das principais atrações da Festa Literária de Paraty (FLIP).

A presença costumeira no espaço público talvez se explique pela própria experiência de vida do historiador. Nascido em Alexandria, Egito, no ano de 1917, Hobsbawm foi testemunha daquilo que ele chamou do “breve século XX”, um século bastante acelerado pela enormidade de acontecimentos impactantes em termos políticos e culturais. Filho de pai britânico e mãe austríaca, viveu muitos cenários e situações deste período de bem perto. Cresceu em Viena e, após a morte dos pais, judeus, mudou-se para Berlim. Após testemunhar a ascensão do nazismo de Hitler, mudou-se com o tio e a irmã para Londres. Acompanhou, então, a Segunda Guerra Mundial, a crise europeia, a Guerra Fria e toda uma gama de eventos históricos que transformaram o planeta.

Hobsbawm - como todo grande pensador - também acumulou críticas ao longo da vida. A maior delas se refere a sua fidelidade ao Partido Comunista (PC), inabalável mesmo durante a Invasão Soviética à Hungria, em 1956. Permaneceu membro do PC até a sua desintegração, em 1989. Outra crítica também comum a Hobsbawm se refere a sua relação com o stalinismo. Para o professor de história da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Ricardo da Costa, Hobsbawm omitiu em suas obras muitas informações sobre os horrores cometido em nome do marxismo-leninismo soviético. (leia esta crítica, na íntegra, aqui).

Hobsbawm para os historiadores brasileiros

Procurando entender um pouco mais da relevância de Eric Hobsbawm no Brasil – um dos países onde era mais lido, além da Itália – o Café História conversou com algumas pessoas que vivem o cotidiano acadêmico no país. Nossa ideia era identificar como Hobsbawm se tornou a referência entre historiadores brasileiros que é hoje, mesmo quando objeto de críticas.

Monica Grin, professora de história contemporânea do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IH-UFRJ) desde 1997, explicou ao Café que a narrativa de Hobsbawm tem o mérito de não só ter popularizado e historicizado o marxismo para legiões de estudantes, como também se tornou indissociável da própria história contemporânea. Grin sublinhou ainda que durante muito tempo Hobsbawm “frequentou” os seus programas de curso na UFRJ, sendo lido com grande prazer pelos alunos:

- Adotei em diversas conjunturas os livros de Hobsbawm. Usei “História do Marxismo - 12 volumes” , “A Era das Revoluções – 1789-1848”, A Era do Capital - 1848-1875” e “A Era dos Impérios - 1875-1914” quando se tratava de aulas para a graduação sobre a emergência do marxismo no século XIX, sobre os desdobramentos sociais da chamada Revolução Industrial e sobre os Impérios e Imperialismos. Não raro, comparava Hobsbawm com Thompson e Polanyi para compreender a história social de um perspectiva marxista, conforme a historiografia inglesa marxista; com Hannah Arendt para discutir imperialismo. Em outras situações, o tema do Estado nação e do nacionalismo me fazia visitá-lo, quer em “Nações e Nacionalismo”, quer em seu livro com Trevor-Roper, “A Invenção da Tradição”. Neste caso também não me furtava às comparações com Gellner, Benedict Anderson, Charles Tilly, Anthony Smith. Cheguei a usar também alguns de seu ensaios em historiografia que saíram em “Sobre história”.

Maria Paula Araújo, também professora da UFRJ, revela uma memória bastante interessante, que remete a um jantar que ela e mais três amigas tiveram com o historiador inglês nos anos 1980, no Rio de Janeiro, na ocasião do lançamento de um de seus livros no Brasil:

- Eu tenho orgulho de dizer que tenho na minha estante quase todos os seus livros. E também tenho na memória uma noite em que eu, Helena Maria Gasparian, Adriana Benedikt e Vera Paiva, nós quatro iniciando o mestrado (acho que isso foi em 1983 ou 84) levamos Hobsbawm para jantar no Lamas (tradicional restaurante do Rio de Janeiro). Ele era um dos autores exclusivos da Editora Paz e Terra (do Fernando Gasparian, pai da Helena) e nos coube esta tarefa - levar Hobsbawm e a esposa para jantar. Na época nós achávamos que o Lamas era um restaurante quase sofisticado (estávamos acostumadas com o Jobi, o Diagonal e a Pizaria Guanabara). Foi uma noite inesquecível. Hobsbawm deu palpite nos nossos trabalhos, até no da Vera, que era sobre a "Lilith" (a primeira mulher de Adão, insubmissa e devassa, que foi banida do Paraíso e da Bíblia).

Maria Paula completou ainda dizendo que embora o encontro tenha se dado há quase 30 anos, não esquece da generalidade e a versatilidade de Hobsbawm, disposto a conhecer e a opinar sobre o trabalho daqueles quatro mestrandas brasileiras de vinte e poucos anos.

Já Zózimo Trabuco, professor de História do Brasil da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), contou ao Café que acredita ter começado a ler os textos de Hobsbawm como a maioria dos seus leitores: a partir das “Eras”. “O modo como relacionava as ideias e as práticas sociais às mudanças políticas e econômicas e a visão comparativa dessas relações em diferentes lugares dentro de uma mesma temporalidade sempre me fascinou”, diz o professor. Sobre a história feita de Hobsbawm, Trabuco diz também:

- Acho que Hobsbawm representou um modo de compreender a história e o papel do intelectual que se confundem com o conjunto de sua obra e os tempos históricos aos quais ele se dedicou a analisar: grandes sínteses, visão global ou cosmopolita das transformações do mundo, senso de responsabilidade política da pesquisa e da comunicação do conhecimento histórico, e apesar - ou em função - das opções políticas pessoais que fez ao longo da vida, um rigor teórico e metodológico que o fazia ter o compromisso ético de reavaliar ideologias e alternativas políticas que marcaram sua trajetória como intelectual público. Neste sentido, o "Breve Século XX" foi em Hobsbawm o longo século de um modo de fazer História, foi a "Era de Hobsbawm".

Mas não é só entre professores que Hobsbawm é referência. Entre estudantes de história também. João Teófilo, estudante do nono período do curso de história da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UEVA), na cidade de Sobral, disse que ficou muito triste quando soube da morte do historiador, por quem tinha grande admiração. Teófilo explicou que os textos de Hobsbawm estavam presentes nos cursos de sua faculdade e revelou porque gosta tanto dos textos do autor:

- Os escritos de Hobsbawm, embora de uma linguagem complexa, são de uma riqueza ímpar, uma vez que a maestria do historiador, de uma erudição invejável, mais que proporcionar um entendimento inteligente que nos ajuda a refletir sobre a relação do homem com o tempo-espaço, serve de exemplo para uma escrita exemplar da História. As leituras de Hobsbawm, a exemplo de “A Era do Extremos”, deixam claro que, não por acaso, ele é um dos maiores historiadores.

Discutindo Hobsbawm

E você, estudante, professor ou apenas interessado por história, também gosta da história produzida por Hobsbawm? O debate continua no nosso fórum sobre o tema, que pode ser acessado aqui. Neste espaço, estamos discutindo as maiores contribuições dadas por Hobsbawm à historiografia. Tem reservas ou críticas a obra do autor? Este também é o espaço. Acesse, compartilhe suas ideias e enriqueça o debate.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Hobsbawm: um dos maiores pensadores dos séculos XX e XXI

Associação Nacional de História (ANPUH) responde à crítica da Revista Veja sobre Hobsbawm. Em nota, entidade afirma que Veja teria reduzido historiador a um "idiota moral". A nota de repúdio foi publicada no perfil da entidade no último sábado. Confira, na íntegra, o texto da Associação Nacional de História, que teve como título, "Hobsbawm: Um dos maiores intelectuais do século XX".

"Na última segunda-feira, dia 1 de outubro, faleceu o historiador inglês Eric Hobsbawm. Intelectual marxista, foi responsável por vasta obra a respeito da formação do capitalismo, do nascimento da classe operária, das culturas do mundo contemporâneo, bem como das perspectivas para o pensamento de esquerda no século XXI. Hobsbawm, com uma obra dotada de rigor, criatividade e profundo conhecimento empírico dos temas que tratava, formou gerações de intelectuais. Ao lado de E. P. Thompson e Christopher Hill liderou a geração de historiadores marxistas ingleses que superaram o doutrinarismo e a ortodoxia dominantes quando do apogeu do stalinismo. Deu voz aos homens e mulheres que sequer sabiam escrever. Que sequer imaginavam que, em suas greves, motins ou mesmo festas que organizavam, estavam a fazer História. Entendeu assim, o cotidiano e as estratégias de vida daqueles milhares que viveram as agruras do desenvolvimento capitalista. Mas Hobsbawm não foi apenas um “acadêmico”, no sentido de reduzir sua ação aos limites da sala de aula ou da pesquisa documental. Fiel à tradição do “intelectual” como divulgador de opiniões, desde Émile Zola, Hobsbawm defendeu teses, assinou manifestos e escolheu um lado. Empenhou-se desta forma por um mundo que considerava mais justo, mais democrático e mais humano. Claro está que, autor de obra tão diversa, nem sempre se concordará com suas afirmações, suas teses ou perspectivas de futuro. Esse é o desiderato de todo homem formulador de ideias. Como disse Hegel, a importância de um homem deve ser medida pela importância por ele adquirida no tempo em que viveu. E não há duvidas que, eivado de contradições, Hobsbawm é um dos homens mais importantes do século XX.

Eis que, no entanto, a Revista Veja reduz o historiador à condição de “idiota moral” (cf. o texto “A imperdoável cegueira ideológica da Hobsbawm”, publicado em www.veja.abril.com.br). Trata-se de um julgamento barato e despropositado a respeito de um dos maiores intelectuais do século XX. Veja desconsidera a contradição que é inerente aos homens. E se esquece do compromisso de Hobsbawm com a democracia, inclusive quando da queda dos regimes soviéticos, de sua preocupação com a paz e com o pluralismo. A Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil) repudia veementemente o tratamento desrespeitoso, irresponsável e, sim, ideológico, deste cada vez mais desacreditado veículo de informação. O tratamento desrespeitoso é dado logo no início do texto “historiador esquerdista”, dito de forma pejorativa e completamente destituído de conteúdo. E é assim em toda a “análise” acerca do falecido historiador. Nós, historiadores, sabemos que os homens são lembrados com suas contradições, seus erros e seus acertos. Seguramente Hobsbawm será, inclusive, criticado por muitos de nós. E defendido por outros tantos. E ainda existirão aqueles que o verão como exemplo de um tempo dotado de ambiguidades, de certezas e dúvidas que se entrelaçam. Como historiador e como cidadão do mundo. Talvez Veja, tão empobrecida em sua análise, imagine o mundo separado em coerências absolutas: o bem e o mal. E se assim for, poderá ser ela, Veja, lembrada como de fato é: medíocre, pequena e mal intencionada."





São Paulo, 05 de outubro de 2012

Diretoria da Associação Nacional de História

ANPUH-Brasil

Gestão 2011-2013

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Alemães acham bomba da 2ª Guerra e tiram 2,5 mil de casa em Munique




Bomba foi localizada em área em construção. Detonador continua ativo, segundo bombeiros.

A descoberta de uma bomba da Segunda Guerra Mundial, com peso de 250 kg, forçou a retirada na madrugada desta terça-feira (28) de 2.500 pessoas na cidade alemã de Munique até sua desativação. A bomba foi localizada durante uma construção no bairro de Schwabing, onde a polícia e os bombeiros retiraram todos os habitantes em um raio de 300 metros."A bomba poderia explodir a qualquer momento", disse um porta-voz dos bombeiros, antes de explicar que o detonador se encontra ativo apesar de a guerra ter terminado há quase 70 anos.



O porta-voz acrescentou que uma eventual detonação destruiria o edifício junto ao local da descoberta e danificaria consideravelmente outras construções próximas.

Os equipes antibombas cobriram parte do explosivo com palha e areia para reduzir os efeitos de uma possível detonação e tentarão desativá-lo ao longo do dia. Mais de 100 bombeiros e outras forças de resgate estão nas cercanias do local da descoberta, enquanto foram fechadas preventivamente uma estação do metrô e a Leopoldstrasse, uma das ruas mais movimentadas de Munique.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

ESCRAVIDÃO

Muitas foram as prisões, as ameaças e os atos de violência que Martin Luther King sofreu. E, embora ele pudesse ter tido a chance de desistir, preferiu permanecer lutando por sua causa. Certa vez, ao fazer uso da palavra numa reunião em Chicago, King assim discursou:




Permitam-me dizer que, se vocês estão cansados de protestos, eu estou cansado de protestar. Estou cansado da ameaça de morte. Quero viver. Não quero ser um mártir. E há momentos em que penso se vou conseguir escapar. Estou cansado de apanhar, cansado de receber golpes, cansado de ir para a cadeia. Mas o importante não é quanto eu estou cansado; a coisa mais importante é nos livrarmos da condição que nos leva a marchar. Senhores, vocês sabem que não temos muita coisa. Não temos dinheiro suficiente. Realmente não temos muito estudo e não temos pode político. Temos apenas nossos corpos, e vocês estão pedindo que abdiquemos da única coisa que possuímos quando dizem: Não marchem”.



Tal estratégia utilizada por King foi fantástica e teve um enorme efeito positivo para a luta dos negros norte-americanos pelos direitos civis. Pois, quando os ativistas, oferecendo a outra face, eram vistos por todo o mundo sendo vítimas da violência policial, sofrendo golpes de cassetetes, recebendo jatos de água e bombas de gás lacrimogênio, a nação dos Estados Unidos foi sendo tomada por um sentimento de indignação moral contra tais atrocidades, conforme relata Philip Yancey em seu livro “Alma Sobrevivente: Sou Cristão, Apesar da Igreja”, da editora Mundo Cristão:



Muitos historiadores apontam para um momento no qual o movimento no qual o movimento finalmente conquistou uma massa expressiva de apoio à causa dos direitos civis. Isto aconteceu numa ponte perto da cidade de Selma, Alabama, quando o xerife Jim Clark permitiu que seus homens, armados, avançassem sobre manifestantes negros desarmados. As tropas da cavalaria jogaram os animais a galope sobre a multidão dos manifestantes, açoitando as pessoas com seus cassetetes, rompendo cabeças e jogando pessoas no chão. Enquanto brancos gritavam em aprovação, as tropas jogaram bombas de gás lacrimogênio sobre a multidão em pânico. A maioria dos americanos teve a primeira visão dessa cena quando a rede de televisão ABC interrompeu seu filme de domingo, Julgamento em Nuremberg, para mostrar a cobertura do fato. O que os telespectadores viram sendo transmitido do Alabama guardava uma horrível semelhança com aquilo que estavam assistindo sobre a Alemanha nazista. Oito dias depois, o presidente Lyndon Johnson submeteu o projeto de Direito de Voto de 1965 ao Congresso americano.



Embora King tenha morrido assassinado em 4 de abril de 1968, a sua luta pelos direitos humanos alcançou grandes resultados. Na noite anterior à sua morte, ele proferiu as seguintes palavras:



Como qualquer pessoa, desejo uma vida longa. A longevidade tem seu lugar. Mas não estou preocupado com isto agora. Quero apenas fazer a vontade de Deus. E ele me permitiu que eu subisse ao monte. Olhei lá de cima e pude contemplar a Terra Prometida. Pode ser que eu não entre lá com você, mas quero que você saiba esta noite que, como povo, nós entraremos na Terra Prometida. É por isso que estou feliz esta noite. Não estou preocupado com nada. Não temo homem algum. Meus olhos viram a glória do Senhor que vem.



King baseou sua atuação não só em Gandhi, como também no Sermão da Montanha de Jesus Cristo que se encontra nos capítulos 5, 6 e 7 do Evangelho segundo Mateus. E, como disse Jesus, se o grão de trigo que cai na terra não morrer, fica ele só, mas, se morre, produz muito fruto. E esta foi este o resultado obtido por King quando preferiu permanecer lutando com fé e sem fazer uso da violência, tornando-se uma semente de um futuro onde as desigualdades raciais não mais existam.



No ano de 1986, foi estabelecido um feriado nacional nos Estados Unidos em sua homenagem em que toda terceira segunda-feira de janeiro é comemorado o dia de Martin Luther King.

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quarta-feira, 7 de março de 2012

CONCEITO DE HOMEM, LIBERDADE E GOVERNO EM HOBBES, RUSSEAU E LOCKE.

Iniciando a conceituação de liberdade nos autores citados no título, é mister destacar que para Locke ao contrário de Hobbes, conforme Anelise Vaz (2010, p. 157), “Apesar da possibilidade da conflagração de um estado de guerra, o estado de natureza tendia a ser pacífico e os homens viveriam num estado de perfeita liberdade”. No entanto segundo a autora esse estado de liberdade ao mesmo tempo seria um estado de igualdade. Locke destaca mais o conceito de liberdade do que de igualdade, mas o segundo conceito está claro no primeiro, já que somente ao considerar os homens como iguais, pode-se admitir sua liberdade. Porém, para Hobbes, liberdade é ausência de oposição, ou seja, “ausência de impedimentos externos”. Ainda conforme esse autor, uma Le de natureza é uma regra geral determinado pela razão, que proíbe o homem de fazer coisas que possam destruir sua vida. E, aqueles que tratam disso costumam confundir Lex e jus (direito e lei), pois: “Direito consiste na liberdade de fazer ou de omitir, ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas”. “De modo que a lei e o direito se distinguem tanto como a obrigação e a liberdade, as quais são incompatíveis quando se referem à mesma matéria”. Ou seja, liberdade corresponde a direito.


Para Locke, liberdade corresponde a direito, sendo esta um princípio de justiça que corresponde à liberdade. O homem deve procurar a paz e segui-la. Deve procurar o princípio de defendermo-nos a nós mesmos. Renunciar a seu direito a todas as coisas contentando-se em relação aos outros, “com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo”. No entanto para Russeau, surgem obstáculos para o homem se manter em seu estado natural. Eles surgem pelas forças desses indivíduos em permanecer em tal estado. Deve engendrar uma força para agir em comum acordo. Para ele liberdade e força são os primeiros instrumentos de sua conservação. A questão é: como empregá-los sem se prejudicar? Locke enfatiza que se o home é tão livre em seu estado de natureza, não sendo súdito de ninguém, sendo igual aos demais, então por que renunciaria a essa liberdade para se sujeitar a qualquer outro império? O pesador responde afirmando que nesse estado o gozo de seus direitos seriam precários. Todos são iguais, mas a maior parte não respeita a justiça. Isso o faz abandonar essa condição, visando principalmente salvar a sua propriedade. Sendo assim, o objetivo principal dos homens se unirem em sociedade é proteger a sua propriedade. Para Russeau o que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural. O que ele ganha são a liberdade civil e a propriedade. A moral torna o homem senhor de si. No estado civil ele adquire a liberdade moral.

Para Hobbes só há justiça com o Estado. Onde não há um poder comum não há lei. Quando se faz um pacto em que ninguém cumpre imediatamente, a menor suspeita torna esse pacto nulo. No entanto se há um poder situado acima desses contratantes com direito e força para impor seu cumprimento, tal contrato se torna válido. Esse poder é o monarca, o soberano. Se não houver medo de um poder coercitivo, as palavras são fracas para conter a ambição e a avareza. Hobbes considera o estado de natureza de constante guerra. O homem vive no constante medo e insegurança e protege sua propriedade com violência. Já Para Locke o estado de natureza não é violento. Nele existem apenas inconveniências. Ao contrário de Hobbes, ele afirma que não há porque haver monarquia, porque no estado de natureza não existe guerra. Além do mais, quando o poder é centralizado não existe justiça.

Por sua vez, Russeau fala de uma solução para organizar a sociedade, ou seja, encontrar uma forma de se associar que defendam da força comum, todos os bens do associado e que cada um, se unindo a todos não obedeça senão a si mesmo e permaneça livre como antes. Russeau inverte a lógica de Hobbes. Para ele o homem selvagem é o do estado civil. O povo na condição de passivo está submetido ao Estado na condição de sociedade desigual, ou seja, um pacto dos ricos, dos proprietários, sendo que a primeira sociedade civil é feita pelos proprietários. Já na condição de ativo o homem se torna soberano. Sendo assim se torna cidadão que decide o coletivo, decide os rumos. Depois disso nos tornamos súditos de os mesmos. Assim sendo, o cidadão é o gestor da cidade. O coletivo é o cidadão e o súdito é o indivíduo. Segundo Russeau:



A pessoa pública, formada assim pela união de todas as outras, tomava outrora o nome de cidade, e toma hoje o de república ou corpo político, o qual é chamado por seus membros: Estado, quando é passivo; soberano, quando é ativo; autoridade, quando comparado a seus semelhantes. No que concerne aos associados, adquirem coletivamente o nome de povo, e se chamam particularmente cidadãos, na qualidade de participantes na autoridade soberana, e vassalos, quando sujeitos as leis do Estado. Todavia, esses termos freqüentemente se confundem e são tomados um pelo outro. É suficiente saber distingui-los, quando empregados em toda a sua precisão.



Do ponto de vista histórico a avaliação de Locke sobre a monarquia absoluta, é muito importante. Segundo ele, no estado absoluto se prega que deve existir juiz e lei para garantir a segurança entre os súditos, mas quanto ao chefe, ele está protegido, acima das leis. Tem o poder de causar mais sofrimento e injustiça. Tudo isso acontece segundo Locke,



Como se, no dia que os homens deixaram o estado de natureza para entrar na sociedade, tivessem concordado em ficar todos submissos à contenção das leis, exceto um, que ainda conservaria toda a liberdade do estado de natureza, ampliada pelo poder, e se tornaria desregrado devido à impunidade. Isso equivale a acreditar que os homens são tolos o bastante para se protegerem cuidadosamente contra os danos que podem sofrer por parte das doninhas ou das raposas, mas ficam contentes e tranqüilos em serem devorados por leões.



Locke diz que quando os homens se unem em sociedade, a maioria possui o poder comunitário. Ela utiliza isso para de tempos em tempos fazer novas leis e nomear funcionários que façam essas leis serem cumpridas. Ele diz que essa forma de governo é uma democracia perfeita. Mas ela também pode colocar o poder de fazer leis nas mãos de um grupo e seus herdeiros. Assim temos uma oligarquia. Pode também colocar o poder nas mãos de um só homem. Assim temos uma monarquia.

Entretanto Russeau enfatiza que a passagem do estado natural para o estado civil impregnou nele a justiça no lugar do instinto. Imprimiu também no homem a moralidade, que antes lhe faltava. Fo aí que a voz do dever substituiu o impulso físico e fez o homem consultar a razão antes de agir. Embora nesse estado se prive de muitas coisas oferecidas pela natureza, ganha outras importantes, ou seja, suas faculdades se exercitam, suas idéias se estendem e seus sentimentos enobrecem. Devido a isso deveria abençoar esta situação, pois, saiu da condição de animal estúpido e limitado, para um ser inteligente. Acrescente-se a tudo isso a aquisição no estado civil, da moral, que torna o homem senhor de si mesmo, ao posto que o impulso o tornasse escravo.

REFERENCIAS

RUSSEAU, Jean – Jacques. Do contrato Social. Fonte Digital

HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Clube do livro liberal.
Revista Iluminart do IFSP


Volume 1 número 4

Sertãozinho – Abril de 2010

ISSN: 1984 - 8625

A igualdade pensada e a igualdade

possível: reflexões sobre o conceito de

igualdade em Hobbes, Locke e Rousseau

e considerações sobre sua aplicabilidade

Anelise Vaz1

RESUMO



O conceito de igualdade surge mais




nitidamente na Grécia Antiga, embora


limitado, na prática, às relações

estabelecidas na polis. A desigualdade

existente fora desse âmbito era considerada

natural e desejável para o bom

funcionamento da sociedade. Com Hobbes,

Locke e Rousseau, o pensamento se inverte,

e a igualdade passa a ser natural e inerente

aos homens, enquanto a desigualdade é

vista como uma construção social. Apesar da

contribuição fundamental desses autores

para um melhor entendimento do conceito de

igualdade, persistem os problemas de ordem

prática e política quanto à sua

implementação efetiva nas sociedades

modernas. O ideal de igualdade é,

frequentemente, constrangido pela busca da

liberdade. Sendo ambos valores

imprescindíveis, uma relação de

complementaridade é possível e desejável,

através da defesa de uma liberdade baseada

no respeito à diversidade. Este artigo expõe

1 Anelise Vaz é mestranda do Programa de Pós-

Graduação em Sociologia Política da Universidade

Federal de Santa Catarina e bolsista do CNPq - Brasil.

Florianópolis/SC. Contato: anelisevaz@hotmail.com

brevemente o conceito de igualdade

desenvolvido pelos pensadores citados e

propõe uma reflexão acerca de sua

aplicabilidade real, levando em conta a

dificuldade de conciliação de valores como

igualdade, liberdade e justiça, e defendendo

o respeito à pluralidade humana e à

igualdade de oportunidades entre os

homens.

Palavras-chave: Hobbes; Locke; Rousseau;

igualdade; liberdade.

ABSTRACT

The concept of equality appears more clearly

in ancient Greece, although restricted to the

relations established in the polis. The

inequality prevailing outside that environment

was considered natural and desirable for the

proper functioning of society. In Hobbes,

Locke and Rousseau, this thought is

reversed, and equality becomes to be

understood as natural and inherent to men,

while inequality is perceived as a social

construction. Despite the crucial contribution

of these authors to a better understanding of

the concept of equality, there are still many

political and practical problems concerning its

effective implementation in modern societies.

The ideal of equality is often constrained by

the pursuit of freedom. Since both values are

essential, a relationship of complementarity is

possible and desirable, and can be achieved

through the defense of a freedom based on

the respect for diversity. This article briefly

explains the concept of equality developed by

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the authors cited above and proposes a

reflection on its real applicability, taking into

account the difficulty of reconciling the values

of equality, freedom and justice, and

endorsing the respect for human diversity and

equal opportunities among men.

Keywords: Hobbes; Locke; Rousseau;

equality; liberty.

Até o século XVII, prevalecia a

noção de que a desigualdade entre os seres

humanos era natural, aceitável e, de certa

forma, até desejável. A partir de então,

passam a vigorar teorias, baseadas no

jusnaturalismo e no contratualismo, que

postulavam uma ordem natural de igualdade

entre os homens. Na atualidade, o princípio

da igualdade é tido como um dos principais

pressupostos políticos das sociedades

modernas ocidentais, bem como um dos

mais polêmicos. Existem várias divergências

sobre a precisa noção de igualdade, sua

relação com a justiça, e sobre em que

medida e extensão a igualdade deve ser

almejada ou é praticável.

Na Grécia Antiga, a igualdade só

existia entre os cidadãos, não existindo uma

real igualdade entre os homens. Hannah

Arendt esclarece que para os gregos antigos,

a igualdade era "a própria essência da

liberdade; ser livre significava ser isento de

desigualdade presente no ato de comandar,

e mover-se numa esfera onde não existiam

governo nem governados" (ARENDT, 2009,

p. 42). A política e a vida social eram o mais

importante, e o indivíduo era visto como parte

de um corpo coletivo, fora do qual não se

tinha nenhum valor. Dessa forma, o público

tinha natural prevalência sobre o privado, e a

igualdade existia apenas no domínio político,

na ação entre pares em torno da polis, e

pressupunha a existência de desiguais, que

compunham a maioria da população. Não se

pensava na desigualdade como algo ruim,

pelo contrário, a natural desigualdade entre

os homens garantia a harmonia da

sociedade, na medida em que todos

aceitassem sua própria condição social.

Já em Hobbes, a desigualdade não

era natural, mas constituída com a formação

do Estado. Os homens, no estado de

natureza, teriam igual vulnerabilidade à

violência e igual insaciabilidade dos apetites.

Reconhecendo-se como iguais, eles se

submetem igualmente a um poder soberano

que lhes assegure a conservação da vida. Se

para os gregos a sociabilidade humana era

natural e inerente ao homem, para Hobbes

ela era uma imposição do Estado, fora do

qual prosperava uma condição de guerra de

todos contra todos – estado de guerra.

Assim, a igualdade natural dos homens era

vista por Hobbes como algo ruim, já que

degenerava no estado de guerra, e a

desigualdade formada pelo Estado era

desejável porque regulava os apetites

desenfreados dos homens e restabelecia a

paz.

Locke compartilha da visão de

Hobbes sobre a igualdade entre os homens

no estado de natureza. No entanto, esse

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estado de igualdade não seria

necessariamente belicoso como na teoria

hobbesiana. Apesar da possibilidade da

conflagração de um estado de guerra, o

estado de natureza tendia a ser pacífico e os

homens viveriam num estado de perfeita

liberdade. Esse estado de liberdade também

seria um estado de perfeita igualdade,

(...) pois nada é mais evidente

que criaturas da mesma espécie

e da mesma ordem, todas

aquinhoadas aleatoriamente com

as mesmas vantagens da

natureza e com o uso das

mesmas faculdades, terão

também de ser iguais umas às

outras sem subordinação ou

sujeição (LOCKE, 2006, p. 23).

Locke enfatiza mais o conceito de

liberdade do que o de igualdade. No entanto,

o segundo conceito está explicitado no

primeiro, já que só ao conceber os homens

como iguais pode-se admitir sua liberdade.

Para ele, a desigualdade surge não só a

partir da diferenciação do poder criada pela

formação do Estado, mas também pela

apropriação legal de porções da natureza

além do necessário à sobrevivência e ao

bem-estar de cada um.

Rousseau reitera a tese

contratualista de Hobbes e Locke, mas

discorda de ambos quanto à índole do

homem no estado de natureza. Ele

argumenta que a análise de Hobbes é falha

porque desconsidera que um constante

estado de guerra de todos contra todos

requer processos cognitivos complexos

envolvendo noções de propriedade,

linguagem e cálculos que eram inexistentes

na mente do homem no estado de natureza.

Essas capacidades não seriam naturais, mas

construídas historicamente. O homem natural

seria, portanto, simples, isolado, pacífico e

despreocupado, com características que não

ensejariam o conflito. Rousseau admite que o

desejo de auto-preservação é um dos

princípios norteadores da ação humana,

mas, ao contrário de Hobbes, não o toma

como o único motivo para a ação. Existiriam

dois sentimentos inerentes à alma humana: o

desejo de auto-preservação e a piedade.

Apesar de existir um consenso entre os

contratualistas quanto à natureza da

igualdade, nem sempre ela surge em suas

teorias como um valor positivo. Enquanto

para Rousseau a igualdade vincula-se a um

estágio primitivo de felicidade, a ser

recuperada com o contrato social, para

Hobbes ela liga-se a uma condição miserável

e belicosa, e a desigualdade do pacto social

é benéfica.

Rousseau aborda a questão da

igualdade definindo as desigualdades morais

ou políticas em oposição às desigualdades

naturais ou físicas. As primeiras seriam

produto do declínio da raça humana,

catalizado pela busca pela perfeição,

propriedade e reconhecimento social.

Rousseau admitia que o desenvolvimento

humano, que levou a essa degeneração de

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valores, era inevitável, e que não seria

possível um retorno ao estado de natureza.

O que ele almejava, no entanto, era que as

desigualdades morais e políticas refletissem

as desigualdades naturais e físicas, ao invés

de serem construídas socialmente. A

igualdade verdadeira consistiria, portanto, na

proporção, e só seria benéfica quando

combinada à liberdade.

A contribuição desses autores foi

fundamental para sedimentar o conceito de

igualdade na esfera política, mas apesar da

consensual aceitação da igualdade como

ideal a ser buscado e implantado em todas

as sociedades, persistem problemas de

ordem prática. Bobbio afirma que o simples

reconhecimento do direito à igualdade é

insuficiente se os mecanismos pelos quais

ela será exercida não estiverem definidos.

Segundo ele, ao pensarmos em igualdade,

temos que considerar duas questões:

igualdade entre quem, e igualdade com

relação a que coisas? Questiona: “é mais

justa uma sociedade onde a cada um é dado

segundo o mérito, ou aquela onde a cada um

é dado segundo a necessidade?” (BOBBIO,

1996, p. 20) E ainda: “qual o critério com

base no qual é possível distinguir entre

necessidades merecedoras e não

merecedoras de satisfação?” (BOBBIO,

1996, p. 33)

Bobbio relaciona a igualdade com a

justiça:

Enquanto liberdade e igualdade

são termos muito diferentes tanto

conceitual como axiologicamente,

embora apareçam com

frequência ideologicamente

articulados, o conceito e também

o valor da igualdade mal se

distinguem do conceito e do valor

da justiça na maioria de sua

acepções, tanto que a expressão

liberdade e justiça é

freqüentemente utilizada como

equivalente da expressão

liberdade e igualdade. (BOBBIO,

1996, p. 14)

Uma relação de igualdade é uma

meta desejável na medida em que é justa. A

igualdade plena é utópica, mas deve-se

buscar uma regulação da sociedade que

permita que os indivíduos sejam mais livres e

mais iguais do que sob qualquer outra forma

de convivência.

Hannah Arendt também discorre

sobre a impossibilidade da igualdade plena,

afirmando que a modernidade confundiu a

igualdade política com a igualdade social, e

que só a primeira é realizável. A projeção da

igualdade para os campos social e biológico

não é natural, e ao se pretender uma

igualdade nesses planos, vai-se contra a

condição humana. Os indivíduos não são

iguais por nascimento no sentido em que

cada um possui capacidades e necessidades

diferentes. A igualdade é legítima ao permitir

que cada um mostre seu desempenho, de

acordo com sua capacidade, e a partir daí se

diferencie dos demais. Nesse sentido,

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Hannah Arendt se aproxima de Rousseau, ao

defender, de certa forma, a proporcionalidade

da desigualdade, ou seja, que cada um seja

desigual de acordo com suas características

naturais, e não por imposição social.

Além disso, dada a pluralidade de

consciências e valores do mundo moderno, a

imposição de uma igualdade social e

econômica não é possível a não ser com

autoritarismo. A pluralidade humana é

benéfica e deve ser tolerada, tomando-se o

cuidado de oferecer às pessoas a

possibilidade de desenvolverem seus

potenciais da maneira que melhor lhes

aprouver. É por isso que a igualdade e a

liberdade são valores conflitantes e, ao

mesmo tempo, complementares. Ao mesmo

tempo em que a busca artificial da igualdade

plena limita a liberdade humana de se

diferenciar, a igualdade política só pode ser

exercida se existir liberdade. Se temos a

liberdade de sermos desiguais, queremos, ao

mesmo tempo, a igualdade de sermos livres.

Referências Bibliográficas:

ARENDT, Hannah. A condição Humana. 10ª

ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

2009. 352 p.

BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade.

Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. 96 p.

HOBBES, Thomas. Leviatã. 2ª ed. São

Paulo: Martin Claret, 2001. 516 p.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o

governo. 2ª ed. São Paulo: Martin Claret,

2006. 174p.

ESBOÇO PARA MATERIAL DIDÁTICO

A DOUTRINA LIBERAL




Na política norte-americana o cidadão comum definiria o governo, se fosse perguntado, como um campo neutro de debates, ou seja, constituído de uma democracia pluralista onde o povo define as políticas públicas. Dessa forma, o povo admite que detenha o poder. Essa é a teoria pluralista, que é a ideologia oficial das democracias capitalistas. Muitos intelectuais não-marxistas tem se perguntado se o Estado Liberal é de fato democrático. Alguns definem que na verdade a democracia como está atualmente está comprometida com o corporativismo.

A visão pluralista de Estado se apresenta como servidor do interesse da maioria, mesmo que na prática não o faça. No século XVII surge a teoria clássica do Estado a partir de mudanças das condições do poder econômico e político na Europa. Desenvolve-se assim a teoria do Estado liberal que se refere aos direitos individuais e baseado na ação do Estado voltado para o bem comum com o objetivo de controlar as paixões dos homens, fazendo com que seus interesses fiquem acima de suas paixões. A busca pelo desejo material controlaria as paixões e o Estado garantiria o mercado livre.

Nessa teoria o indivíduo estaria acima do direito divino, proporcionando novas relações de poder entre os seres humanos. A partir de agora o poder e o conhecimento não eram mais herdados através do direito de nascimento, eram adquiridos. Era uma nova forma de Estado que tinha uma razão divina. Era Deus no homem, mas ao invés de ser revelada, sua compreensão poderia ser adquirida. Isso significa, em outras palavras, que as lutas políticas ainda se davam através das leis divinas, muito embora o poder político estivesse nas mãos de homens racionais.

Adam Smith (1723-1790) desenvolveu uma forte justificativa para a busca incessante individual pela melhoria da condição de ganho material. A doutrina liberal de Adam Smith provocou profundas mudanças nas relações sociais de seu tempo. Ele afirmou que os homens eram impulsionados pelo desejo de melhorar sua condição de vida e o aumento de seus bens. Ele colocou ainda que cada indivíduo agisse em seu próprio interesse econômico, quando ele é colocado dentro de uma coletividade aumentaria o bem estar da sociedade. Defendendo veementemente o mercado livre, dizia que ele é força tão poderosa para melhorar a condição humana que justifica à sua superioridade as leis e a um governo intervencionista.

Smith mostrou definitivamente que as paixões humanas eram submetidas a impulsos irresistíveis de ganho material e que esse motivo era desejável porque resultou no bem para o maior número de pessoas. Ele argumentou que o princípio básico da sociedade é o amor do home por ela e a ordem que essa sociedade estabelece. Porém, ele diz que isso é possível porque os sentimentos morais que governam o comportamento humano conduzem à interação positiva entre os indivíduos. Nesse modelo, Smith considera o controle como vindo de dentro do indivíduo. As normas da conduta, senso de dever, vêm do interior de cada indivíduo e tornam seu comportamento compatível com o todo social. Para ele, a moral que está ligada à produção capitalista é o cimento social, afirmando que os indivíduos são éticos e quando buscam o ganho individual, fazem isso como indivíduos morais.

Na perspectiva da teoria liberal o Estado deve fornecer a base legal para o mercado melhorar. O estado que Smith criticou era o Estado intervencionista, mercantilista. Ele exigia um corpo de leis e a ação do Estado que permitisse maior liberdade ao mercado livre. O conceito de que cada indivíduo buscando seus próprios interesses econômicos fornece um bem coletivo possui uma influência muito forte. A própria idéia de que os indivíduos são a fonte do poder, na busca pela riqueza e no controle de suas paixões, e de que a corrupção exista muito mais no setor público do que no setor privado, faz parte da atual filosofia política dos EUA.





MARX, ENGELS, LENIN E O ESTADO



Para início de conversa é bom considerar que Marx considerava as condições materiais de uma sociedade como a base de sua estrutura e de sua consciência humana. Portanto neste sentido o Estado é concebido emergindo das relações de produção e não é fruto da mente ou da vontade humana. Fica mais claro nesta frase de Marx de que: “Não é a consciência dos homens que determina sua forma de ser, mas, ao contrário, é sua forma de ser social que determina sua consciência”. Assim, podemos considerar que não é o Estado que molda a sociedade, mas a sociedade que molda o Estado. Consideremos também que se nessa perspectiva marxista, o Estado é definido pelas relações de produção, não representa o bem comum, mas é a expressão da estrutura de classe inerente à produção. Nessa concepção o Estado é um instrumento de dominação de classes dentro da sociedade capitalista. A burguesia, a classe capitalista, controla os meios de produção e essa classe dominante estende seu poder ao Estado e a outras instituições.

Portanto é mister considerar que o Estado não existe devido à vontade dominante, mas o Estado que emerge das condições materiais da existência dos indivíduos também tem a forma de uma vontade dominante. Conforme Engels (1981, p. 195-96), o Estado “é antes, um produto da sociedade num determinado estágio de desenvolvimento; é a revelação de que essa sociedade se envolveu numa irremediável contradição consigo mesma e que está dividida em antagonismos irreconciliáveis que não consegue exorcizar”. Outro ponto fundamental na teoria marxista do Estado, é que na sociedade burguesa o Estado é o braço repressivo da burguesia. O sistema jurídico também é instrumento repressivo para controlar, na medida em que estabelece regras de comportamento ajustados aos padrões burgueses. Quanto a Democracia Marx e Engels concebem como uma ilusão para as massas que são levadas a pensar que participa das decisões através de eleições e o parlamento. No entanto o poder econômico da classe dominante garante a reprodução da relação entre o capital e o trabalho. Essa classe dominante determina as ações do Estado. Este por sua vez faz as leis e executa para defender os interesses da classe dominante. Esta classe dominante difunde sua ideologia embasada no trabalho, entre as classes mais pobres. Esta por sua vez reproduz esta ideologia tomando-a como natural.

Lênin escreveu sobre o Estado e a Revolução, após 1917. No entanto ele e Trotski sofreram duras críticas de Rosa Luxemburgo, uma socialista Polonesa. Ela acusou Lênin e Trotski de abandonaram a idéia da real democracia, vinda das bases, de que o povo deveria tomar as decisões através de uma ditadura do proletariado. Mas, uma ditadura de classe e não de partido. No caso, Rosa Luxemburgo acusou os dois revolucionários de centralizarem o poder no partido e não nas bases.