quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Google para Historiadores

Empresa americana lança aplicativo que promete conquistar historiadores e pesquisadores de ciências humanas em geral. O que ele faz? Permite traçar tendências culturais e políticas nos últimos duzentos anos.
O Google Labs, inovadora seção de aplicativos protótipos do Google, lançou no último dia 16 de dezembro o "Google Books Ngram Viewer", uma ferramenta elegante e que pode em breve se tornar um verdadeiro aliado para pesquisadores, professores ou mesmo estudantes. O "Books Ngram Viewer" utiliza o banco de dados do "Google Books" (sistema de livros digitalizado online para consulta gratuita) para contar quantas vezes um mesmo nome, frase, termo, expressão ou conceito foi utilizado entre 1800 e 2000. Assim, com apenas alguns cliques é possível saber em menos de um segundo a trajetória de uma palavra ao longo de dois séculos de cultura escrita e descobrir um pouco mais sobre as tendências culturais, políticas e sociais de nosso tempo.

Em um primeiro momento, o Books Ngram Viewer (http://ngrams.googlelabs.com/) não chama muito a atenção dos internautas, hoje acostumados às dezenas cores, animações e outras pirotecnias que os grandes sites promovem para conquistar o público. Em sua tela, o internauta precisa preencher apenas três espaços: palavra(s), período e a língua a ser pesquisada. Depois, basta clicar em "Search lot of books". O sistema, então, irá consultar um banco de dados de mais de 500 bilhões de palavras, divididas entre 5 milhões de livros, publicados entre 1800 e 2008 e digitalizados pelo Google nos últimos anos. Essa consulta - que não leva mais do que dois segundos - gera um gráfico no qual é possível observar a evolução (ou involução) de uma palavra ao longo do tempo.

Essa simplicidade arrasadora é o suficiente para oferecer um mar de possibilidade de estudos. Atualmente, é possível consultar bancos de dados de livros em inglês, francês, espanhol, alemão, chinês e russo. Pode-se inserir uma ou mais palavras. Pode-se ainda comparar os resultados de uma palavra dentro do universo de livros em inglês e em chinês ou espanhol. Por exemplo: o grau de incidência da palavra "terrorism" dentro das publicações em inglês é muito diferente desta mesma palavra em outras línguas, mostrando o lugar que esta expressão tem na cultura americana.

Como tudo começou

O "Books Ngram Viewer" nasceu da necessidade de uma pesquisa acadêmica. Em 2004, Jean-Baptiste Michel e Lieberman Aiden, de Harvard, começaram uma pesquisa sobre verbos irregulares no inglês. Eles desejavam determinar quando formas verbais específicas deixaram de ser usadas em detrimento de outras, mais modernas. Na época, esse tipo de pesquisa implicava na leitura, página por página, de milhares de livros. O processo todo lhes custou longos 18 meses. Pouco mais de um ano depois, os acadêmicos de Harvard souberam dos planos do Google para digitalizar todos os livros do mundo, algo que foi parcialmente alcançado com o Google Books, que digitalizoiu 11% dos livros do mundo. Aquele parecia ser o tipo de tecnologia ideal para a pesquisa de Aiden e Michel e provavelmente para outros milhares de pesquisadores em todo o mundo. Assim, os dois entraram em contato com Peter Novig, diretor de pesquisa do Google. Novig logo percebeu a importância daquela idéia para a ciência e deu carta branca para os desenvolvedores. O Books Ngram Viewer é a versão mais acabada desta idéia e utiliza 4% do banco de dados do Google Books. A nova ferramenta foi lançada na última semana e descrita em um artigo intulado "Quantitative Analysis of Culture Using Millions of Digitized Books", publicado na revista Science (tiny.cc/td0rd). O Google Books Ngram Viewer utiliza um método de modelagem chamado N-gram, que possibilita buscas em sequências de linguagem natural. Para os pesquisadore envolvidos na criação, a ferramente significa a abertura de uma nova abordagem para os estudos culturais. Nos últimos dias, não se fala em outra coisa nos principais círculos das ciências humanas. A sensação é que algo revolucionário está sendo criado.

Historiadores

Para os historiadores, o programa desenvolvido pelo Google é uma ferramenta incrível de auxílio à pesquisa. Como bem se sabe, as palavras não são entidades estáticas, programadas para ter um começo, meio e fim. Mas pelo contrário: são vivas, políticas, sujeitas à ação dos homens em sociedade. E o Books Ngram Viewer mostra muito bem isso. Com ele torna-se possível identificar quais termos são mais sensíveis que outros, desvendar dimensões até então pouco abordadas da memória social e outros processos polítcos e sociais de diversos períodos históricos.

O Café História testou várias combinações. No clássico Brazil x Argentina, na língua inglesa, por exemplo, nós continuamos dando de goleada. O Brasil sempre foi muito mais citado do que o vizinho. No entanto, é curioso observar que tanto o crescimento quanto a queda das referências a ambos seguem o mesmo padrão. A década de 1940 representa o período de maior menção aos dois países, o que pode ser explicado pelo auge da cultua do American Way of Life e sua influência na América do Sul. Confira no gráfico abaixo:

Curioso também notar a trajetória de palavras caras à historiografia. É o caso do termo "holocaust", utilizado para se referir ao extermínio de seis milhões de judeus durante o Terceiro Reich (1933-1945). Segundo o Books Ngram Viewer, a palavra conheceu um verdadeiro boom na década de 1980, o que reforça decisivamente teses acadêmicas já existentes e que apontavam aquela década como um período de consolidação da memória do genocídio nazista. Para os historiadores, a década de 1980 testemunhou uma proliferação de filmes, museus e outros eventos memorialísticos que tiveram um grande impacto na representação do extermínio dos judeus no século pasado, sobretudo na produção de referências bibliográficas.

Esse processamento dos dados, que Lieberman chamou de "culturomics" ("cultorômica", em língua portuguesa), está ao alcance de todos. O site já está no ar, é gratuito e o melhor: pode ser baixado por qualquer usuário e explorado em detalhes, a partir de suas próprias ferramentas de busca. Além do Google e de Harvard, fazem parte da equipe de gerenciamento do Ngram pesquisadores da Enciclopédia Britânica e do Dicionário Americano Heritage. Confira o site sobre a recém-batizada "Culturômica": http://www.culturomics.org/

Enquanto isso, mesmo para os não-acadêmicos, o programa já diverte os meios de comunicação. O jornal OGLOBO fez um contraste entre "women" (mulher) e "man" (homem), descobrindo que o primeiro era raramente mencionado até o início dos anos 1970, momento em que o feminismo ganha força. A partir daquela década as duas linhas do gráfico movem em direções opostas até se encontrarem em 1986. Já o site Read Write Web fez uma série de 10 comparações, que você pode conferir clicandono seguinte link. Destaque para a comparação entre os meios de comunicação:

Não perca tempo. Visite esta importante novidade na internet e faça uso dela para aprimorar suas pesquisas e estudos. A história vem passando por grandes transformações e você não precisa ser um mero espectador.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

ORDEM VERSUS PROGRESSO

O projeto colonial cresceu de forma desgarrada. O colono agindo longe das vontades oficiais, o fez de maneira circunstancial, sem regras. O bandeirante passa a ser um agente da metrópole, viabilizando a questão econômica nas regiões pobres. Muito embora quisesse se passar a idéia de que seria dado aos índios um destino nobre, a Coroa jamais se opôs ao cativeiro. Porém no instante que os bandeirantes se deparam com o ouro, vêm as ordens legalizadoras. Sendo assim conforme Ribeiro (2000), “Nós somos resultantes do embate daquele racionalismo burocrático, que queria executar na terra nova um projeto oficial, com esse espontaneísmo que ia formando ao deus-dará, debaixo do poderio e das limitações da ecologia tropical e do despotismo do mercado mundial”.
Mas quem de fato somos nós? Brasileiros? Somos a fusão de tudo isso? E essa fusão já se completo? Ou está em curso? Pela vontade dos colonizadores, os índios, os negros e todos nós, mestiços deles, atingidos pela empresa colonial, continuaríamos no destino que nos foi prescrito de “proletariado de ultramar, destinado a produzir mercadoria exportável, sem jamais chegar a ser gente com destino próprio”.

Às vezes penso que continuamos cumprindo esse desígnio mesmo sem os portugueses, debaixo do guante da velha classe dominante de descendentes dos senhores de escravos que se seguiu a eles no exercício do poder e das novas elites cujo setor predominante é, hoje, o corpo gerencial das multinacionais. Os mesmos tecnocratas ainda meninos, mas já aconselhando governos se afundam ainda mais no espontaneísmo do mercado e na irresponsabilidade social do neoliberalismo (RIBEIRO, 2000, p. 247).

O grande susto que os portugueses tiveram foi presenciar a revolta dos escravos pela ansiedade de ser gente. A grande perplexidade da classe dominante hoje é perceber que esses descendentes de escravos pensam num país que seja conduzido por sua vontade enquanto povo que são. Mão é fácil explicar o nosso processo histórico, que não se enquadra e nenhum outro conceito. Estruturando-se na mão-de-obra escrava africana, o Brasil se configura numa coisa diferente dos demais padrões históricos.

Na raiz desse fracasso das maiorias está o êxito das minorias, que ainda estão aí, mandantes. Em seus desígnios de resguardar velhos privilégios por meio da perpetuação do monopólio da terra, do primado do lucro sobre as necessidades e da imposição de formas arcaicas e renovadas de contingenciamento da população ao papel de força de trabalho superexplorada. Como não há nenhuma garantia confiável de que a história venha a favorecer, amanhã, espontaneamente, os oprimidos; e há, ao contrário, legítimo temor de que, também no futuro, essas minorias dirigentes conformem e deformem o Brasil segundo seus interesses; torna-se tanto mais imperativa a tarefa de alcançar o máximo de lucidez para intervir eficazmente na história e fim de reverter sua tendência secular. Esse é o nosso propósito (RIBEIRO, 2000, p. 248).

Em relação à produção industrial, o autor coloca que o comprometimento de uma classe dominante gerencial dos meios de produção assegura compromisso somente com enviar lucros a seus patrões e exporta o excedente para fora do país, ao invés de investir aqui. A questão mais grave dessas continuidades acontece na oposição entre os interesses do setor empresarial, de ontem e de hoje e o interesse do povo brasileiro.

Ela se mantém ao longo de séculos pelo domínio do poder institucional e do controle da máquina do Estado nas mãos da mesma classe dominante, que faz prevalecer uma ordenação social e legal resistente a qualquer progresso generalizável a toda a população. Ela é que regeu a economia colonial, altamente próspera para uma minoria, mas que condenava o povo a penúria. Ela é que deforma, agora, o próprio processo de industrialização, impedindo que desempenhe aqui o papel transformador que representou em outras sociedades. Ainda é ela que, na defesa de seus interesses antinacionais e antipopulares, permite a implantação das empresas multinacionais, através das quais a civilização pós-industrial se Poe em marcha como um mero processo de atualização histórica dos povos fracassados na história (RIBEIRO, 2000, p. 250).

Nas partes finais do texto Ribeiro (2000) destaca a continuidade da classe dominante, fazendo ajustes para se manter no poder. Ele diz que “Ao contrário do que ocorre nas sociedades autônomas, aqui o povo brasileiro não existe para si e sim para os outros”. Enfatiza também que o processo da independência foi contra o povo, pois existe aí uma continuidade e não uma ruptura. Essa independência mantém a velha ordem. Depois acontece a criação de escolas, mas para formar a elite. O povo permanece analfabeto. A independência do Brasil, no momento que se torna inevitável, é empreendida pela metrópole colonial que translada para cá a classe dirigente lusitana que traz consigo sua burocracia mais competente, e,

Aqui sediada, se mimetiza de brasileira e tão bem organiza a independência para si mesma que continua regendo o Brasil por oitenta anos mais. No curso dessas décadas, enfrenta e vence todos os levantes populares, matando seus líderes ou os anistiando e incorporando sem ressentimento ao grupo dominante (RIBEIRO, 2000, p. 256).



REFERÊNCIA





RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

História e Memória

http://www.youtube.com/watch?v=1XY7qWbdXe0&feature=relatedhttp://www.historiaupf.ning.com/Tudo é explicado pela História. O romance, a filosofia, a política. A História é admitida no século XIX nas universidades e ganha o status de ciência. Mas qual História? O que foi essa História científica? Essa História assimilou o conjunto de técnicas do “ofício de historiador” (erudição). Essas técnicas foram aperfeiçoadas. Contrariamente aos filósofos das “luzes” definiu o passado como objeto de estudo. Todavia, colocou nele inconscientemente aqueles ideais de progresso, civilização e cultura elaborados por aqueles filósofos. Conforme Lê Goff (1992) a essência da história é o tempo e não é de hoje que a cronologia desempenha um papel fundamental, servindo com fio condutor da história. O instrumento principal da cronologia é o calendário. Este representa o esforço das sociedades em domesticar o tempo natural do sol, da lua, da alternância do dia e da noite. Porém, seus elementos mais eficazes, as horas e a semana, estão ligadas a cultura e não ao tempo natural. Sendo assim
O calendário é o produto e expressão da história: está ligado às origens míticas e religiosas da humanidade (festas), aos progressos tecnológicos e científicos (medida do tempo), à evolução econômica, social e cultural (tempo do trabalho e tempo de lazer). Ele manifesta o esforço das sociedades humanas para transformar o tempo cíclico da natureza e dos mitos, do eterno retorno, num tempo linear escandido por grupos de anos: lustro, olimpíadas, séculos, eras, etc. À história estão intimamente conectados dois progressos essenciais: a definição de pontos de partida cronológicos (fundação de Roma, era cristã, hégira e assim por diante) e a busca de uma periodização. A criação de unidades iguais, mensuráveis, de tempo: dia de vinte e quatro horas, século, etc. (LE GOFF, 1992, p. 13).
Elegeu o Estado e seus agentes (a política) como a esfera privilegiada dos fenômenos históricos. A História é, portanto a trajetória do Estado-Nação conduzida pelos grandes estadistas. Portanto, as fontes eram, sobretudo os documentos produzidos por esse Estado como, por exemplo, relatórios de governo, documentos oficiais, tratados de paz, declarações de guerra etc. Estava presente também a busca pela objetividade, ou seja, a crença de que seria possível dar à história a mesma objetividade das outras ciências como física, matemática e astronomia. Era uma história narrativa, ou seja, a narração dos fatos tal e qual aconteceram. Uma história não explicativa e não problematizadora. Essa história privilegiou os agentes do Estado. Tratava-se de uma história política.