sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

ORDEM VERSUS PROGRESSO

O projeto colonial cresceu de forma desgarrada. O colono agindo longe das vontades oficiais, o fez de maneira circunstancial, sem regras. O bandeirante passa a ser um agente da metrópole, viabilizando a questão econômica nas regiões pobres. Muito embora quisesse se passar a idéia de que seria dado aos índios um destino nobre, a Coroa jamais se opôs ao cativeiro. Porém no instante que os bandeirantes se deparam com o ouro, vêm as ordens legalizadoras. Sendo assim conforme Ribeiro (2000), “Nós somos resultantes do embate daquele racionalismo burocrático, que queria executar na terra nova um projeto oficial, com esse espontaneísmo que ia formando ao deus-dará, debaixo do poderio e das limitações da ecologia tropical e do despotismo do mercado mundial”.
Mas quem de fato somos nós? Brasileiros? Somos a fusão de tudo isso? E essa fusão já se completo? Ou está em curso? Pela vontade dos colonizadores, os índios, os negros e todos nós, mestiços deles, atingidos pela empresa colonial, continuaríamos no destino que nos foi prescrito de “proletariado de ultramar, destinado a produzir mercadoria exportável, sem jamais chegar a ser gente com destino próprio”.

Às vezes penso que continuamos cumprindo esse desígnio mesmo sem os portugueses, debaixo do guante da velha classe dominante de descendentes dos senhores de escravos que se seguiu a eles no exercício do poder e das novas elites cujo setor predominante é, hoje, o corpo gerencial das multinacionais. Os mesmos tecnocratas ainda meninos, mas já aconselhando governos se afundam ainda mais no espontaneísmo do mercado e na irresponsabilidade social do neoliberalismo (RIBEIRO, 2000, p. 247).

O grande susto que os portugueses tiveram foi presenciar a revolta dos escravos pela ansiedade de ser gente. A grande perplexidade da classe dominante hoje é perceber que esses descendentes de escravos pensam num país que seja conduzido por sua vontade enquanto povo que são. Mão é fácil explicar o nosso processo histórico, que não se enquadra e nenhum outro conceito. Estruturando-se na mão-de-obra escrava africana, o Brasil se configura numa coisa diferente dos demais padrões históricos.

Na raiz desse fracasso das maiorias está o êxito das minorias, que ainda estão aí, mandantes. Em seus desígnios de resguardar velhos privilégios por meio da perpetuação do monopólio da terra, do primado do lucro sobre as necessidades e da imposição de formas arcaicas e renovadas de contingenciamento da população ao papel de força de trabalho superexplorada. Como não há nenhuma garantia confiável de que a história venha a favorecer, amanhã, espontaneamente, os oprimidos; e há, ao contrário, legítimo temor de que, também no futuro, essas minorias dirigentes conformem e deformem o Brasil segundo seus interesses; torna-se tanto mais imperativa a tarefa de alcançar o máximo de lucidez para intervir eficazmente na história e fim de reverter sua tendência secular. Esse é o nosso propósito (RIBEIRO, 2000, p. 248).

Em relação à produção industrial, o autor coloca que o comprometimento de uma classe dominante gerencial dos meios de produção assegura compromisso somente com enviar lucros a seus patrões e exporta o excedente para fora do país, ao invés de investir aqui. A questão mais grave dessas continuidades acontece na oposição entre os interesses do setor empresarial, de ontem e de hoje e o interesse do povo brasileiro.

Ela se mantém ao longo de séculos pelo domínio do poder institucional e do controle da máquina do Estado nas mãos da mesma classe dominante, que faz prevalecer uma ordenação social e legal resistente a qualquer progresso generalizável a toda a população. Ela é que regeu a economia colonial, altamente próspera para uma minoria, mas que condenava o povo a penúria. Ela é que deforma, agora, o próprio processo de industrialização, impedindo que desempenhe aqui o papel transformador que representou em outras sociedades. Ainda é ela que, na defesa de seus interesses antinacionais e antipopulares, permite a implantação das empresas multinacionais, através das quais a civilização pós-industrial se Poe em marcha como um mero processo de atualização histórica dos povos fracassados na história (RIBEIRO, 2000, p. 250).

Nas partes finais do texto Ribeiro (2000) destaca a continuidade da classe dominante, fazendo ajustes para se manter no poder. Ele diz que “Ao contrário do que ocorre nas sociedades autônomas, aqui o povo brasileiro não existe para si e sim para os outros”. Enfatiza também que o processo da independência foi contra o povo, pois existe aí uma continuidade e não uma ruptura. Essa independência mantém a velha ordem. Depois acontece a criação de escolas, mas para formar a elite. O povo permanece analfabeto. A independência do Brasil, no momento que se torna inevitável, é empreendida pela metrópole colonial que translada para cá a classe dirigente lusitana que traz consigo sua burocracia mais competente, e,

Aqui sediada, se mimetiza de brasileira e tão bem organiza a independência para si mesma que continua regendo o Brasil por oitenta anos mais. No curso dessas décadas, enfrenta e vence todos os levantes populares, matando seus líderes ou os anistiando e incorporando sem ressentimento ao grupo dominante (RIBEIRO, 2000, p. 256).



REFERÊNCIA





RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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